Flexágono, mostra de bd contemporânea portuguesa

Banda desenhada portuguesa, agora
Curadoria: Pedro Moura
6 a 16 de Outobro \\\ 10h00 – 20h00
Museu Municipal de Óbidos

A segunda edição da Flexágono, uma mostra de banda desenhada contemporânea portuguesa, integrada no Festival Literário Fólio, em Óbidos, tem vários privilégios e honras em relação à sua primeira prestação.

O propósito da Flexágono é dar a conhecer alguns dos autores, menos ou mais jovens, particularmente activos neste momento, atentos às tendências de transformação social e formal desta disciplina artística. A banda desenhada, enquanto sobretudo uma arte de narrativa visual, com os seus próprios jogos de linguagem, especificidades compositivas e materiais, possui uma larga e saudável variedade de temas, estratégias comunicativas, graus emotivos, modos formais e índoles políticas. Fará todo o sentido que, num momento de atenção na “coisa literária”, haja uma preocupação em compreender os mais sofisticados gestos nesse mesmo sentido desta área criativa.

A oportunidade de estabelecer este ponto de contacto no Museu Municipal de Óbidos é também uma portentosa oportunidade de criar diálogos, peça a peça, espaço a espaço, com um património histórico e cultural, que tem tanto de local como de nacional ou em categorias mais alargadas. O convívio entre a arte original, pranchas, vinhetas e esboços, isto é, os processos de trabalho e peças individuais de banda desenhada destes autores contemporâneos com a arte sacra, pintura barroca, capitéis, retábulos, gravura, escultura e um conjunto de trabalhos gráficos de uma colecção particular não será de forma alguma chocante ou paradoxal, mas bem pelo contrário respirará a circulação mais usual da cultura e da existência humana. O direito à cidadania artística, e mesmo cultural, da banda desenhada ainda não foi plenamente conquistado, e estes gestos permitirão outras estratégias de atenção e alerta para com sensibilidades merecedoras de uma abordagem mais crítica. Por vezes, alguns dos diálogos serão mais surpreendentes, por reforçaram elos entre assuntos e elementos visuais, questões de composição ou de comunicação museográfica, ou até ecos simbólicos que se foram transmutando em significados actualizados mas cujas formas se mantêm (algo que um historiador de arte como Aby Warburg exploraria de forma intensa).

Os trabalhos destes autores portugueses em particular oscilam entre a ficção de género e a autobiografia, o ensaio de cariz mais filosófico e uma inquirição do quotidiano das relações humanas, o espectacular e o melancólico, o fantástico e o mundano. Alguns destes textos circulam sob a forma de livros, um objecto de vivência comercial e de catalogação prevista, outros em fanzines, objectos gráficos, desenhos inconjuntos, de baixa tiragem ou acesso mais limitado, mas não por isso de menor alcance. Ou até em canais exclusivamente digitais, representando outros impactos. Todos desejam a leitura, mas a sua reapresentação expositiva convida a outras atitudes de associação, quer da peça isolada quer dos diálogos propostos no espaço. Walter Benjamin explicava como um desenho deveria ser exposto horizontalmente, mas procurarmos aqui vários eixos que se cruzam, reforçando a capacidade de simultaneamente manifestarem as coisas que representam e conjurar significados.

A atenção e descoberta da produção artística e literária (e, sendo discutível, poderemos afimar até certo ponto que a banda desenhada é um acto de cerzir ambos modos numa só tessitura) deve ser feita no próprio momento em que ela respira. Um sinal da saúde cultural de um país não é a existência de olhares retrospectivos, comemorações de um passado ido, mas antes de um vivo, activo e assertivo agora.